Bebê Alemão: Redes sociais, fundamentalismo religioso, ideologia política e violação de direitos
Até o dia 2 de fevereiro de 2025, Jenifer Milbratz Stainzack era mais uma garota tentando a sorte na internet, produzindo conteúdo para as redes sociais nas horas vagas. Seu perfil @jenifermilbratz no Instagram falava basicamente sobre maternidade: “Ajudo mulheres a terem uma maternidade sem culpa e sem frescura” era o que estava escrito em sua bio.
Foi então que, ao publicar um vídeo intitulado “Como fazer um bebê alemão”, Jenifer se viu em meio a uma grande polêmica. Críticas e elogios se misturaram ao vídeo, que até o momento tem 2,6 milhões de visualizações. O vídeo é uma alegoria culinária, na qual Jenifer apresenta a receita de como fazer um bebê com características que são estereótipos dos descendentes de alemães no Brasil. Ele não traz nenhuma declaração explícita que justificasse tanta polêmica, mas é provável que o trecho visto como problemático tenha sido a frase em que ela afirma que o bebê tinha “uma pele tão branca que causaria inveja a uma lagartixa”. É possível elucubrar que o problema estivesse na associação de pele branca com inveja, transmitindo a percepção de que ser branco é motivo de inveja. Jenifer recebeu elogios, críticas pontuais e também ataques odiosos e criminosos. A situação piorou com o seu vídeo-resposta.
A polêmica do vídeo-resposta e as acusações de racismo
No dia seguinte, Jenifer resolveu produzir um vídeo-resposta, se defendendo das acusações e violências que havia sofrido. É aqui que a polêmica escalou, ao transformar o problema em uma pauta política/ideológica e fazer declarações bastante controversas. E esta palavra sintetiza o que é o vídeo. O dicionário nos esclarece:
Opinião controversa: que gera muita discordância ou debate; toca em temas sensíveis (política, religião, sexualidade, raça, etc.); são provocativas, polêmicas ou chocantes para parte do público; dividem opiniões — algumas pessoas concordam fortemente, outras rejeitam com intensidade.
Jenifer já começa o vídeo dizendo: “Mirei na fofura e acertei na militância”.
Ela questiona os motivos das agressões, sem distinguir, intencionalmente ou não, opiniões críticas de palavras violentas. Afirma que é um ataque coordenado por militância ideológica de esquerda. Jenifer polemiza ainda mais com afirmações como:
- “Olha, olha como eu gosto da minha cultura, olha como é lindo o meu bebê branco de olho azul.”
- “Por que eu não posso ter orgulho da minha cor? A minha cor da pele é a cor da pele do meu pai. Esse pai que trabalhou tanto (…)”
- “Por que as pessoas devem e têm orgulho de sua pele negra, de sua pele mulata, da sua história, do Nordeste do Brasil, mas quando aqui no Sul a gente levanta a mãozinha e fala: ‘Olha, eu tenho orgulho da minha descendência europeia, tenho orgulho dos meus olhos claros, tenho orgulho do meu povo’, aí a gente é racista?”
- “Por que só é cultura quando não é uma cultura branca? Por que uma cultura europeia é racista?”
- “Nós somos brasileiros brancos de olhos azuis que carregam na pele a cor dos nossos antepassados, que lutaram e trabalharam muito pra construir essa região, o Vale Europeu, que é uma das regiões mais prósperas e com o maior IDH do Brasil.”
- “Eu tenho muito orgulho da minha cor, da minha descendência e da história do meu povo.”
A politização da polêmica
Logo que o assunto viralizou nas redes, deputados federais de direita se posicionaram publicamente em defesa de Jenifer, o que a fez saltar de menos de 10 mil seguidores para mais de 100 mil. O deputado federal Gilson Marques (Novo/SC) foi o primeiro. Depois vieram a deputada federal Julia Zanatta (PL/SC), a deputada federal Caroline de Toni (PL/SC), o deputado federal Gustavo Gayer, a deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PL/SC), entre outros. A partir disso, formou-se uma articulação política em defesa de Jenifer. Com essa articulação, influenciadores de direita passaram a prestar seu apoio.
O cherry picking e a narrativa política e fundamentalista
Conscientemente ou não, Jenifer passou a selecionar, nos conteúdos que produziu após sua viralização, apenas as opiniões extremistas que vieram contra ela, ocultando as opiniões extremistas, racistas, de cunho nazista e violentas que estavam a seu favor. Nenhum comportamento violento e criminoso pode ser aceito, e muito menos ser usado para justificar a existência um do outro. O vídeo-resposta de Jenifer era passível de críticas, porém dentro dos limites da legalidade e, preferencialmente, feito de forma educada e racional. É incorreta a postura de Jenifer ao permitir discursos de ódio de qualquer fundamentalismo e ocultar opiniões críticas feitas com educação e respeito. Ela preferiu criar a teoria de ser um ataque militante.
A sedução da visibilidade e a perpetuação da violência
É preciso entender que Jenifer já era produtora de conteúdo, apesar do número baixo de seguidores, e era profissional de marketing. Jenifer atuava na empresa Link, em Pomerode, exatamente nesta área. Não conseguimos apurar se ela pediu desligamento da empresa após a polêmica, ou se foi a empresa que tomou essa decisão.
Acontece que Jenifer aparentemente ficou feliz com a repercussão. Apesar de dizer que foi afetada pela violência — o que não é de se duvidar —, ela aproveitou a visibilidade para engajar com o público, fazer publicidade, ganhar seguidores e expor suas preferências políticas, suas crenças religiosas e aspectos de cultura e do seu modo de observar o mundo.
Ela estendeu ao máximo o assunto enquanto conseguiu, passando muitos dias compartilhando marcações de pessoas que declaravam ter orgulho de serem brancas. Apesar de dizer que não tinha problema com outras raças (sic!), ela não compartilhou várias publicações de pessoas de outras etnias.
A exposição do filho: o que diz o ECA?
O Art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina: garantia do direito ao respeito, que inclui a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Diante da polêmica e dos ataques inaceitáveis sofridos por seu filho ainda bebê, Jenifer não adotou a medida de contenção mais eficaz: a retirada do vídeo. Pelo contrário, continuou explorando o assunto, se apresentando como a mãe do bebê alemão, fixou os vídeos no topo do perfil e participou de podcasts para abordar o tema.
Grief tourism e tragedy exploitation
A convite do deputado estadual Junior Cardoso, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Família da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Jenifer, seu esposo e os dois filhos participaram de uma reunião na comissão. Durante o encontro, discutiu-se a necessidade de responsabilizar diretamente as redes sociais por postagens e comentários ofensivos. Tentamos de todas as formas obter acesso ao projeto de lei citado pelo deputado, mas nada foi encontrado até o momento. Buscamos junto ao seu gabinete, ainda na época, uma conversa mais ampla sobre o tema, mas não obtivemos resultados. Iremos protocolar oficialmente um pedido junto ao gabinete e à Alesc, por dados mais precisos sobre o projeto de lei prometido, para afastar a ideia da apropriação de uma pauta polêmica para algum ganho político e narrativo.
O prejuízo que a polêmica pode trazer para Pomerode
Dentro da narrativa ideológica e dos ganhos políticos gerados pela polêmica, faz todo sentido que o deputado Gilson Marques também utilize estratégias de grief tourism e tragedy exploitation, nas quais políticos embarcam em situações polêmicas para fortalecer suas narrativas. No entanto, Pomerode perde muito com isso. Foram vários vídeos de react sobre a postura de Jenifer, porém quem estava sendo avaliada não era a personalidade individual de Jenifer, que nem mesmo é nascida em Pomerode, mas a cidade como um todo, visto que ela apresenta suas palavras como um comportamento comum aos seus moradores.
É possível que, para o deputado de Pomerode, essa perda seja benéfica, já que fortalece um tipo de comportamento conhecido como ideological consumerism ou identity-based consumption. São estratégias de posicionamento de marca em que a escolha do consumidor se dá por afinidades ideológicas, em vez de por lógicas comuns de consumo, como qualidade, preço, necessidade, utilidade, consumismo, etc. Um exemplo claro disso são as lojas Havan. Talvez, em números absolutos, à primeira vista, existam grandes vantagens nesse tipo de prática, porque ela elimina variantes e condensa tudo em um único fator de escolha: a decisão ideológica. No longo prazo, porém, podemos ter um ambiente cada vez menos plural, elitista e preconceituoso, maculando ainda mais a história do município.
Dead Horse Beating, Milking the Controversy e Outrage Marketing
Como dito, Jenifer Milbratz já era versada no mundo das redes sociais. Viralizar um vídeo não tem uma receita exata, mas algo é indiscutível: polêmicas geram engajamento. Vídeos controversos geram curtidas de quem aprova, discussões nos comentários entre defensores e críticos, compartilhamentos para apoiar e condenar — tudo inflando os números e fazendo o algoritmo mostrar o conteúdo para mais pessoas. Jenifer passou de um perfil comum com poucas interações para um perfil com 123 mil seguidores. O problema é que grande parte dessas pessoas está fora de sua área de atuação, já que Pomerode tem apenas 37 mil habitantes e cerca de 20 mil usuários de internet. Além disso, grande parte veio em busca de polêmica, e o conteúdo original de Jenifer não possui engajamento.
Pensando nisso, ela criou uma personagem: um estereótipo ridicularizado do que seria uma garota militante de algum partido de esquerda. Jenifer sabe que a polêmica é a única forma de se manter relevante, o que ela deixa claro em um vídeo publicado no dia 5 de março de 2025, intitulado “Como irritar a militância”. Recentemente, em 9 de abril, Jenifer publicou um vídeo intitulado “Voltaram a atacar o bebê alemão”. O que ela faz aqui é o que em inglês se chama milking the controversy (ordenhando a controvérsia), em que se estimula a continuidade de um assunto. Na propaganda, chamamos isso de outrage marketing, em que a ideia é justamente se manter causando polêmica. Parece, no entanto, que o assunto virou um dead horse beating ou, em bom português, parece que Jenifer está chutando cachorro morto.
É normal que as pessoas se cansem da polêmica e queiram tratar de outro assunto. Falaram o que tinham que falar e seguiram suas vidas. Além disso, a insistência em se colocar como vítima passa a soar dissonante, visto que a polêmica poderia desaparecer com a simples ação de deletar os vídeos, preservando os direitos do filho e tratando dos abusos dentro das prerrogativas da lei. Parece que Jenifer ainda não entendeu que a tática não está mais funcionando. O vídeo, em seu segundo dia, tem menos de 200 mil visualizações. Está longe dos milhões dos outros vídeos — ainda acima de seus vídeos cotidianos —, mas a tendência é que até mesmo os apoiadores mais militantes passem a se dispersar.
Gostaríamos de abordar os aspectos das falas de Jenifer sobre Pomerode e os reflexos disso nos dias atuais e fundamentações no passado, mas parece que ficará melhor tratar disso em outra postagem.