Moradores de Pomerode são processados por agentes públicos;
Assim como na obra “Os Amantes”, de René Magritte, onde duas figuras tentam se beijar mas permanecem separadas por um véu que lhes cobre o rosto, a relação entre parte do poder público de Pomerode e seus cidadãos parece marcada por um distanciamento inquietante. Há ali rostos, intenções, gestos — mas tudo envolto em camadas que impedem o verdadeiro encontro: o diálogo franco, a escuta ativa, a transparência.
Em vez de comunicação, o que se estabelece é o silêncio institucional, a negação do olhar e a obstrução da fala. O véu que separa os amantes de Magritte é também o que, metaforicamente, parece hoje separar a gestão pública da cidade daqueles que ousam questioná-la.
Nesse contexto, o crescente número de ações judiciais contra moradores que expressam críticas, e a ausência de respostas da Secretaria de Cultura, suscitam questionamentos essenciais sobre os limites da liberdade de expressão, o papel fiscalizador do cidadão e o compromisso ético das instituições com a democracia.
Somente de conhecimento deste jornal, já são quatro moradores de Pomerode processados por integrantes da prefeitura e da política local. Entre os autores de ações por difamação estão o prefeito Rafael Ramthun, o secretário de Cultura e Turismo Manfred Goede (ex-presidente da AVIP), o deputado federal Gilson Marques e populares ligados aos mesmos partidos e ideologias.
O fato chama atenção por envolver representantes de partidos que defendem a liberdade de expressão. A conhecida frase “para os meus amigos, tudo; para os meus inimigos, a lei” parece bastante atual.
É legítimo que agentes públicos processem cidadãos que fazem críticas? Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, “funcionários públicos devem tolerar um maior nível de exposição, escrutínio social e críticas, ainda que injustas” — um ônus da função pública.
Como a população pode fiscalizar o governo sem o direito de se manifestar, apontar contradições ou criticar decisões? Se políticos têm liberdade para autopromoção, inclusive com desinformação, os cidadãos não teriam o direito de se posicionar?
Outro ponto preocupante é a omissão da Secretaria de Cultura e Turismo. Das sete solicitações feitas por este jornal, nenhuma foi respondida — nem dentro, nem fora do prazo da Lei de Acesso à Informação (LAI), que é de 20 dias, prorrogáveis por mais 10 com justificativa.
Os pedidos envolvem temas como prestações de contas da Festa Pomerana, o evento Cultura na Praça, a relação entre AVIP e o poder público, entre outros. Em resposta, a Procuradoria afirmou que o secretário disse já ter respondido — o que nunca ocorreu desde o início da atual gestão.
Diante disso, o caso foi encaminhado ao Ministério Público. O vereador Jean Nicoletto também relatou, em tribuna, que suas solicitações não têm retorno.